Por Geraldo Nogueira

17.11 livro geraldo postO ano era 1991 e havia três anos de fundação do Centro de Vida Independente do Rio de Janeiro (CVI-Rio), instituição que atua na área das pessoas com deficiência com base na filosofia de vida independente, cujo objetivo principal é o fortalecimento do indivíduo com deficiência, procurando dar-lhe maior poder de autonomia e independência. Ainda hoje o CVI-Rio funciona no estacionamento da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), no bairro da Gávea, na cidade do Rio de Janeiro.

Devido ao acidente de carro, havia alguns meses que me tornara paraplégico e passava por um processo de reabilitação na Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), um dos mais tradicionais e avançado centro de reabilitação do Rio de Janeiro, ainda em funcionamento no bairro do Jardim Botânico. 

Durante as sessões de fisioterapia, eu fazia muitas perguntas aos profissionais que me atendiam. Queria compreender o que havia acontecido comigo e entender o mundo social das pessoas com deficiência. Foi em resposta a uma de minhas perguntas que Ana, minha fisioterapeuta, indicou-me o curso “Compreendendo a lesão medular”, que estava para acontecer no CVI-Rio, idealizado e ministrado pela também fisioterapeuta Sheila Salgado.

Nessa época, a instituição fazia reuniões e atendimentos em uma sala no subsolo de um dos edifícios da universidade. A sala, na verdade, era um local que foi todo idealizado como depósito, mas que não estava ativo com essa finalidade. Portanto, o elevador de carga, que dava também acesso à sala, parava a meio metro do chão, com objetivo de facilitar a aproximação de empilhadeiras e carrinhos para embarque ou desembarque de materiais.

Inscrito no curso, lá fui eu assistir minha primeira aula. Acontece que ainda estava em processo de reabilitação e dominava pouco a cadeira de rodas. Para mim, ainda era um objeto que impedia minha mobilidade com a destreza e rapidez de antes. Não tinha noção do espaço que a cadeira precisa para manobras e nem de sua dimensão para transpor portas e outras balizas. Vivia machucando as mãos nas portas e batia a cadeira em tudo que era objeto.

Entrei no elevador e fiquei posicionado de costas para a porta. Não fiz a manobra que, hoje, comumente faço para ficar de frente. O elevador fez um estalo anunciando a partida e se arrastou lentamente até estacionar no subsolo. A porta abriu e eu imprimi força demasiada no aro da cadeira de rodas, fazendo com que a mesma se movesse com energia e demasiada velocidade para o curto espaço que havia entre a porta do elevador e a plataforma de embarque de mercadorias. 

Assim, em marcha à ré, atravessei a pequena plataforma e voei com cadeira e tudo no abismo de meio metro, indo parar de costas no chão do pátio cimentado do salão do depósito.

As pessoas que estavam se preparando para assistir ao curso se assustaram com o barulho e ficaram boquiabertas com a cena inesperada. O cabineiro do elevador ficou sem ação, enquanto os demais tentavam organizar a mente, na tentativa de compreender o ocorrido. Sheila e outras pessoas correram em minha direção enquanto eu, acanhado com o tombo, procurava me sentar e acalmar a todos.

Nesse dia, mais do que iniciar minha frequência no curso, eu começava também a militância nos Movimentos de Vida Independente e de Luta por Direitos. Foi uma chegada meio inusitada, mas que marcou minha trajetória no ativismo em prol do segmento. Claro que também serviu de aprendizado sobre alguns cuidados ao transitar com cadeira de rodas, principalmente em locais sem a acessibilidade adequada, até porque, cadeira de rodas não voa.




Os comentários estão fechados.