Por José Carlos Morais

No dia 7 de maio de 2019, a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) aprovou um privilégio. Esse termo, que comentei em outra crônica, não combina com as pessoas com deficiência. Mas tampouco, os indivíduos que perderam a visão de um dos olhos podem ser chamados de pessoas com deficiência e equiparados aos cegos e as pessoas com baixa visão. Portanto, parece que nesse caso combinam os ditos monoculares com privilégio.

Muitos observadores de fora do mundo com deficiência devem achar estranho um cadeirante estar indignado com a decisão dos nobres deputados. Não sabem da missa a metade. O nosso movimento através de longas e pequenas batalhas conseguiu ao cabo de algumas décadas estabelecer algumas prerrogativas em forma de lei que procuram dar às pessoas com deficiência uma vida digna e competitiva.

Vou ficar na Lei das Cotas, uma ação afirmativa cujo objetivo é amenizar essas diferenças. Servirá para defender e explicar o objetivo da NÃO inclusão dos indivíduos monoculares em nosso mundo. Ninguém escolheu fazer parte dele. Entramos de sócios nesse clube, vítimas da violência urbana, por doenças transmissíveis ou adquiridas para ficar só em alguns exemplos. Abram vagas e vamos ver quantas irão afiliar-se. Ninguém é óbvio. Enganam-se todos. Os monoculares querem entrar no ônibus e pelo visto sentar na janela. Afinal de contas e sem jogo de palavras, enxergam longe.

É um absurdo, comentou Lilia em nosso grupo de discussão e acrescentou: “Creio que estamos, mesmo entre nós, em conflito sobre o conceito de deficiência. Os benefícios são para reduzir a falta de oportunidades para a grande maioria das pessoas com deficiência frente a uma sociedade exclusiva”. O que diz a lei?

Já no seu artigo 10 deixa bem claro para que veio. “A visão monocular fica classificada como deficiência visual para todos os efeitos legais e no artigo 20– As pessoas com visão monocular após a publicação da presente Lei serão inseridas em todos os programas e benefícios destinados as pessoas com deficiência do Estado do Rio de Janeiro.

Tomei a liberdade de pegar emprestado parte do manifesto assinado por várias entidades de pessoas com deficiência, inclusive o CVI-Rio, escrito por quem realmente vive a situação. “As pessoas com deficiência visual para a atividade de leitura e escrita necessitam de recursos de acessibilidade como o sistema de escrita e leitura Braille, letras ampliadas e com alto contraste e/ou tecnologias assistivas como lupas eletrônicas, softwares leitores de tela/sintetizadores de voz. Para seu ir e vir faz-se necessário o uso de bengala ou de cão guia e da presença de pisos podotáteis (direcionais e de alerta) nos mais variados espaços e de dispositivos como sinais sonoros nas travessias de ruas e avenidas”.

Os indivíduos com visão unilateral têm diminuição da visão em três dimensões e em profundidade, mas sem perdas funcionais. Portanto, tem tanto autonomia e segurança nos seus atos que é capaz, inclusive de tirar carteira de habilitação. Ao contrário dos cegos e das pessoas com baixa visão, não precisam de recursos de acessibilidade e de tecnologia assistiva. Comparar o incomparável!

Isto sem falar na questão médica, que classifica a deficiência visual de acordo com uma tabela, que chama de cegueira quando a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 e baixa visão quando a acuidade visual estiver entre 0,3 e 0,05. Sempre considerando o melhor olho com a melhor correção óptica.

Atropelaram todos os parâmetros. Qual o interesse em jogar em um time em quem ninguém quer ser escalado? Onde as PcDs enxergam equiparação, os monoculares avistam regalias. Estão de olho nas vagas especiais nas empresas, em concursos públicos, na gratuidade do transporte, nas isenções fiscais, entre outras. O empresário que joga para cumprir tabela e sem visão social vai sorrir ao preencher as vagas obrigatórias com batalhões de monoculares que não requerem nenhum recurso de acessibilidade.

E assim décadas de enfrentamento, de combate, de porrada para alcançarmos os nossos direitos são abalados por atitudes lamentáveis de quem não sabe nada sobre o que significa o esforço e o empenho da inclusão. Em um país de privilegiados, inaugura-se mais uma estirpe. Esquecem até a máxima popular – “Em terra de cego que tem um olho é rei”.

 




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