No Brasil, a palavra exoesqueleto talvez só tenha ganho um grande significado, no mundo das pessoas cadeirantes, na ocasião da abertura da Copa do Mundo 2014 – evento de proporções internacionais -, através do experimento do neurocientista brasileiro radicado nos EUA, Miguel Nicolelis. Um rapaz paraplégico brasileiro foi escolhido para dar o primeiro chute, simbolizando a abertura da Copa, usando apenas o pensamento ao imaginar o movimento do chute de uma bola[1].
Tudo aconteceu muito rápido, a transmissão ao vivo não deu a merecida atenção, mas coincidência ou não, desde então, basta uma simples busca com a palavra exoesqueleto, acompanhado dos anos 2014 e 2015 no canal de vídeos mais conhecido e acessado da rede, que um sem números de vídeos dos mais variados tipos de exoesqueletos aparecem. Não só como tecnologia assistiva para pessoas cadeirantes, como para usos em ambientes de trabalho, e até mesmo, para uso militar.
Coisa parecida tem acontecido nas redes sociais. Muitos começaram a postar vídeos de exoesqueletos de diversas empresas com a proposta “walking again” (andar de novo) e alguns me perguntam: “o que você acha disso?” Outros já afirmam: “olha que máximo!” E esta foi a grande motivação para escrever sobre exoesqueletos – algo, que confesso, não ter captado minha atenção, até então.
Um dos vídeos que recebi, em especial, me instigou a assisti-lo diversas vezes para não ser injusta e para formar uma opinião verdadeira a seu respeito, pois muitas questões começaram a me ocorrer!
 Segue o link:

             O exoesqueleto deste vídeo me parece um verdadeiro robô! E minha resposta para aqueles que perguntavam minha opinião foi mais ou menos assim: “o que penso sobre este ‘robô’ perpassa por várias questões, mas antes de tudo é preciso deixar claro que não é qualquer cadeirante que pode sair por aí ‘se acoplando’ em uma estrutura dessas! Muitas pessoas com deficiência física, usuárias de cadeiras de rodas por anos, desenvolvem malformações secundárias que impedem ou dificultam a marcha.
Além disso, a falta da marcha pelo desuso da paralisia pode causar perda de massa óssea, tornando o osso mais frágil, o que poderia causar fraturas ao assumir a posição vertical repentinamente[2]. É necessário averiguar antes. Aliás, VERTICALIDADE!! Essa é a palavra! A busca incessante pela reconquista da verticalidade pela pessoa cadeirante faz com que o próprio, ou aqueles que estão por perto, fiquem com a visão, digamos… um pouco… “embaçada”!
Sinceramente, não acho a marcha oferecida por este produto nada FUNCIONAL! Uma marcha robótica, aparentemente despreparada para desníveis (o que funcionaria mal no Rio de Janeiro, por exemplo, eu não poderia usá-lo para fazer um trajeto curto da minha casa ao shopping).
Já andar dentro de casa e subir escadas é bem legal, mesmo que de forma lenta! É preciso reconhecer que o equipamento tem seu valor! Dá para desempenhar algumas tarefas domésticas, sem falar na sensação de ficar em pé com segurança (para os que podem, como já disse), mas não é o suficiente. É restrito e ainda é muito caro[3] para algo POUCO FUNCIONAL!
Vamos imaginar a cena: a pessoa cadeirante ‘vestida’ nesse exoesqueleto meio robótico, passeando pelo shopping com amigos. Não poderiam sequer sentar na praça de alimentação e fazer um lanche! Pelo que entendi assistindo o vídeo, não existe uma cadeira normal (somente um sofá ou uma poltrona), capaz de comportar a posição sentada deste equipamento. Ele é enorme! Usar o banheiro então, nem pensar… rs. Mas, o vídeo é claramente um vídeo comercial e não expõe tais questões, assim como não considera que a pessoa cadeirante possa precisar da sua boa e velha cadeira de rodas. O casal entra no carro e a cadeira fica para trás. Não é bem assim… é o que eu chamaria de ‘vender sonhos’. O que é meio perigoso, pois quanto tempo a pessoa cadeirante tolera a posição vertical? Quanto tempo ela fica de pé sem cansaço, sem qualquer desconforto? Isso é totalmente individual. Todavia, há de ser considerado!
            Tantas empresas pegando carona nessa busca desenfreada pela verticalidade deve ser encarado com cautela. Não é como comprar um patinete! Aqueles que podem e estão nesta busca, certamente pagarão preços exorbitantes e correm o risco de se frustrar, caso os devidos cuidados não sejam tomados e algumas informações aqui mencionadas (dentre outras) não forem levadas em conta. Por outro lado, percebe-se mais e mais a iniciativa para o desenvolvimento de tecnologias assistivas para pessoas com deficiência! Isso é muito bom! Um dia chega-se lá! Contudo, devemos ter muito cuidado para investir em um equipamento como esse.
            Como disse inicialmente, já existem inúmeros tipos de exoesqueletos sendo divulgados. Já tem um tempinho que assisti um outro vídeo e foi inevitável a lembrança, quando me propus a escrever este post. Este segundo vídeo apresenta um exoesqueleto bem ‘mais interessante’ na minha opinião, apesar da desvantagem de ocupar as mãos. Além de parecer infinitamente mais leve, pois é quase uma mochila, o vídeo mostra este equipamento sendo utilizado de forma ‘real’ nas atividades de fisioterapia.
Segue o link deste vídeo:

            Importante destacar que uma cadeira comum comporta este exoesqueleto na posição sentada e a sua própria cadeira de rodas também! Lembram daquele lanche no shopping com os amigos?? Estaria garantido com esse tipo de exoesqueleto! Não se pode afirmar que ele nos levaria pelas ruas esburacadas do Rio de Janeiro facilmente, mas seria bem menos complicado ir de carro/táxi/ônibus, levando sua própria cadeira de rodas, além do exoesqueleto. O vídeo mostra a pessoa sentada na sua própria cadeira já ‘vestida’ com o exoesqueleto – o que nos abre um maior leque de opções ao tratarmos de deslocamento em geral (sem falar que também seria possível usar o banheiro e passear no shopping sem passar sufoco).
            Esta tem sido mais ou menos a minha resposta aos que pedem minha opinião. Sei que este é um assunto polêmico, passível de diferentes reflexões e considerações e ainda tem muito a ser colocado, mas é justamente a contribuição crítica e ativa das pessoas com deficiência, neste caso, especificamente das pessoas cadeirantes, que trará melhorias efetivas na elaboração e construção de tecnologias cada vez mais funcionais!
Notas:
[1]Em linhas gerais, Nicolelis baseia-se em uma interface cérebro-máquina/dispositivos, de modo que o movimento ocorre através destes dispositivos, apenas imaginando o que se deseja executar. Sensores não invasivos, comandados por sinais do cérebro, através de uma eletroencefalomiografia, leem as descargas elétricas que o cérebro produz , enviando-as a medulas espinhal e em seguida produzindo o movimento “pensado”. Já a sensação do toque com a bola foi conquistada por vestimenta robótica – uma roupa inteligente – dotada de elementos microvibrantes que levam o feedback e “enganam” o cérebro.
[2] A osteoporose em lesados medulares está relacionada com o desuso causado pela paralisia, a qual provoca diminuição da tensão mecânica sobre os ossos, e consequentemente, diminuição do estímulo à formação de osso com aumento desproporcional da reabsorção óssea, tornando o osso mais frágil.
[3] Cerca de 150.000 dólares. Fonte: http://www.isaude.net/pt-BR/noticia/17064/ciencia-e-tecnologia/exoesqueleto-robotico-criado-na-nova-zelandia-faz-paraliticos-voltarem-a-andar
Por Valéria Aliprandi Lucido de Vasconcelos



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