Vamos reproduzir em nosso site a coluna da Revista Nittenis chamada Dois Quiques. Leia o primeiro conteúdo sobre como tudo começou no tênis em cadeiras de rodas publicado semana passada, mas hoje, queremos que você confira o artigo:

Dois Quiques: Rua dos Cravos 500

A feliz escolha de morar em Niterói, mais precisamente em Itaipu, está perto de completar 40 anos.  O tênis em cadeiras de rodas no Brasil nasceria bem pertinho dali, em 1985, na paradisíaca Itacoatiara, a charmosa praia incrustada entre dois morros. Casas dos anos 50 espalhadas por ruas com nome de flores são encantos que fazem desse balneário um lugar privilegiado. E foi exatamente na Rua dos Cravos, número 500 onde o simpático Carlos Eduardo Menezes abriu as portas de sua academia para receber os cadeirantes que buscavam o seu sonho. O nome do lugar não poderia ser mais atraente – POK TENNIS – um nome que reproduz em palavra o som do impacto da bola na raquete. Uma onomatopeia, como diria o Professor Pasquale, se fosse convidado a opinar.

O time se completaria logo com a apresentação de Márcio Moreira, o Marcinho, jovem professor na alvorada de seus 18 anos que voltava para a sua terra depois de uma temporada no Clube de Regatas Flamengo. Figura carismática, Marcinho é referência do tênis niteroiense até hoje. O acaso sempre acertando, ao colocar pessoas certas no lugar certo e no momento certo.

Incendiado pelo projeto, Carlos Eduardo logo conseguiu matéria na prestigiosa revista Tênis da Tavares Kowaric onde atuava. A foto que ilustra essa coluna é dessa reportagem de 1986 e cujos créditos são devidos a Luiz Carlos Kfouri. A matéria ajudou a alavancar o esporte.

Como Celso, meu parceiro, também morava em Itaipu, os treinos eram fáceis de marcar e o nosso entusiasmo, o combustível que alimentava o projeto. Logo já estávamos devolvendo a bola para o outro lado com alguma precisão, quando decidimos comprar cadeiras novas, duas Quickies, a marca que bombava na época. Ainda eram cadeiras da vida diária. A mudança surge depois, mas essa é outra história que contarei em outro momento. As dúvidas eram contínuas: como nos posicionar, como compatibilizar a empunhadura da raquete e impulsionar a cadeira, se devíamos ou não avançar para o primeiro ou esperar o segundo quique da bola? Enfim, tínhamos enormes questões e poucas respostas e a opção no POK pelo segundo quique, recurso permitido em nossa modalidade, era difícil pelo pouco recuo.

Em 1986, Celso e eu decidimos ir para os Estados Unidos em busca de respostas e soluções. Embarcamos para a Georgia para jogar na classe D, criada para os iniciantes. Na véspera, ao nos assistirem batendo bola, fomos comunicados que jogaríamos na C. Primeira vitória.

Ganhei o torneio de simples sem perder um set, e na dupla ficamos em segundo lugar. Empolgados pela conquista e estimulados pelos americanos, fomos na segunda-feira em direção a Houston, no Texas, onde aconteceria outro torneio do circuito americano. Esse torneio era bem maior, com excelentes jogadores. No saguão do hotel encontrei Randy Snow, que havia me apresentado o tênis na Inglaterra no ano anterior, que ao me ver, espantou-se. “O que você está fazendo aqui?”, perguntou incrédulo. “A culpa é sua, que me encorajou a jogar tênis”, respondi. Realmente, a presença de dois brasileiros alucinados como os únicos estrangeiros em um torneio americano do interior era de chamar a atenção.

Começado o torneio, senti que esse seria muito difícil.  Mas um aprendizado do torneio anterior, a minha dificuldade de jogar com dois quiques, em função da prática no POK acabou ajudando e constantemente surpreendia meus adversários com as respostas no primeiro quique. Avancei de novo à final sem perder um set. Era inacreditável o que estava acontecendo.

A final foi na quadra principal, no saguão do hotel, contra um guri texano que já havia migrado para uma classe acima e se despedia da categoria C. Perdi em três sets. Na plateia, Randy gostou do que viu, elogiou meu desempenho e vaticinou que teríamos novos encontros. Ele estava certo: no ano seguinte, ao representar o Brasil, nos enfrentaríamos na Word Team Cup.

 




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