andrea2Por Andrea Apolonia

O projeto e a criação de um filho são o maior acontecimento na vida de qualquer mãe. São expectativas, emoções, ansiedades e medo administrados diariamente. Saímos da maternidade com aquela coisinha linda, enroladinha nos braços, orgulhosas, felizes, cheia de ideias e sonhos. Minha filha chegou quando eu tinha 26 anos. Como profissional de Educação Física, estava preparada para o parto. Ganhei apenas 8,5kg em toda a gravidez. A Rafa nasceu linda, e fomos para casa no dia seguinte.[/caption]

Percebi com alguns meses que ela tinha dificuldade para ganhar peso. Tinha hipotonia (pouco tônus muscular) e com 5 meses não conseguia sustentar a cabeça. Resolvemos levá-la a um neurologista. Era tanta expectativa, mas saímos sem um diagnóstico preciso. Os meses passavam, e via que a Rafa não tinha o mesmo desenvolvimento de outras crianças. Depois de infinitas idas a médicos, consegui fechar o diagnóstico da Rafa, já com 4 anos, no Hospital Sarah Kubitschek. Ela tem uma deficiência genética conhecida como síndrome de Angelman, ou inativação dos genes do cromossomo 15.

Com a descoberta do problema, via ali a esperança do tratamento. Haveria de haver um medicamento para minha filha. Resolvi estudar o assunto. Descobri que a ocorrência desta síndrome é rara, daí a dificuldade do diagnóstico. Consta que nos EUA há somente mil indivíduos catalogados, e que a ocorrência é de um caso para cada 30 mil nascimentos. Não há cura, mas sim tratamento para minimizar sintomas da doença, e em 10% dos casos as crianças não conseguem andar. A Rafa começou a andar com 1 ano e 8 meses. Seguindo orientação de um dos médicos, a coloquei na escola assim que completou 2 anos. Ela não falava e andava com dificuldade. Deixava que ela subisse os degraus sem ajuda de ninguém. Quando caía, deixava que se levantasse sozinha. Assim, aos tombos, ela foi se desenvolvendo.

Depois que meu casamento terminou, o pai dela continuou presente. Ele criou uma página (“Travessuras de uma menina especial”), onde registra seus vídeos. Na luta diária, dividimos tudo. As derrotas e as mínimas conquistas. Incluímos a Rafa em todos os nossos programas. Na praia, na piscina, nas pracinhas, nos passeios de bike, nos shoppings, teatros, musicais, cinemas. Ela é muito popular. Com sorriso fácil e simpatia, logo arranja fãs aonde quer que vá. Mesmo sem falar uma única palavra. E sempre somos tratadas com carinho. Além da ausência da fala, ela tem hiperatividade, transtorno do sono e crises convulsivas controladas, que são os sintomas clínicos da síndrome. A Rafa completou 17 anos no último dia 29.

Certa vez, conversava com o doutor Annibal Amorim, neurologista da Fundação Oswaldo Cruz, quando lhe confidenciei que desejaria fazer um vídeo do dia a dia da Rafa. Ele gostou da ideia. Empolgados, resolvemos incluir também outras mães com seus filhos especiais. O filme se chamou “Um dia especial” e foi produzido com o apoio da JICA (Japão), com direção de Yuri Amorim. Fez sua estreia em Tóquio e vem desde então fazendo sucesso no Brasil porque conta histórias lindas e comoventes. Ganhou dois prêmios no Festival “Assim vivemos”, do CCBB do Rio.

Por tudo isso, só tenho que agradecer e dizer: “Muito obrigada, Rafa!”

Ensinamentos da Rafaela

Ninguém está preparado para um filho especial, não passa pela nossa cabeça essa possibilidade. Então, o primeiro e mais importante ensinamento foi a aceitação. Aceitar as dificuldades, aceitar os desafios, aceitar tudo da melhor forma possível.

A Rafa também me ensinou a amar e a respeitar as diferenças, a pensar em inclusão todos os dias.

Aprendi como a mãe da Rafa a agradecer e a comemorar todas as pequenas conquistas dela, por mínimas que pareçam. Um simples levantar sozinha, engatinhar, sentar, ir ao banheiro. Cada conquista era um acontecimento, uma chuva de alegria e gratidão.

A Rafa é especial em tudo. Vejo felicidade estampada em seu rosto nas pequenas coisas do cotidiano. Quando vê uma onda no mar, uma pipa no céu, o balançar do galho de uma árvore.

Ela percebe que faz parte de uma família e se sente querida. Adora estar com as pessoas, valorizando o ser e não o ter.

É um ser puro. Não dá a mínima chance para o ódio, a inveja, o interesse, a esperteza, o rancor. Só quer dar e receber amor. Estas coisas me encantam, me orgulham, me fazem crescer.

Apesar de a Rafa não falar, nossa comunicação é perfeita. Nós nos entendemos bem porque falamos a linguagem do amor.

Nós nos conectamos sem wi-fi, sem iPhone, sem e-mail, sem WhatsApp.

A nossa rede é o olhar e a senha é o amor.

 

 




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