Por José Carlos Morais

Em julho de 1985 desembarcamos no Galeão, vindos de Londres. A delegação brasileira acabava de chegar dos Jogos Internacionais de Stoke-Mandeville, em Aylesbury, interior da Inglaterra. Como de praxe, várias medalhas, cadeiras novas e peças de reposição compunham nossa bagagem. A alfândega fazia vista grossa aos “bravos” brasileiros que num “esforço de superação” representavam o Brasil numa competição internacional. Mal desconfiavam que essa bravura e essa superação era o preconceito embutido de não nos enxergarem como pessoas normais. Se imaginassem o prazer com que nos lançávamos em busca de nossos sonhos, não pensariam tantas tolices. Mas naquele ano em especial trazíamos na bagagem um sonho, imperceptível para os fiscais, de implantar um novo esporte adaptado no Brasil. Pois bem, 35 anos nos separam de minhas primeiras raquetadas naquele complexo esportivo, onde em 1945 surgiu o esporte em cadeira de rodas para o mundo. Era muita história embutida num acontecimento tão simples – trocar bolas com Randy Snow em solo inglês.

Hoje as imagens que surgem pelo retrovisor são inúmeras e representam essas três décadas e meia do tênis em cadeira de rodas no Brasil. Alguns números talvez surpreendam nossos leitores ao saber que pelo menos duzentos cadeirantes frequentaram as quadras e que hoje mais de 50 estão no ranking da International Tennis Federation (ITF). Entre os homens três estão entre os 50 melhores do mundo e destes Daniel Rodrigues ocupa a 110 posição. Entre as mulheres são três entre as 50 com destaque para Meirycoll Duval, 28 do mundo. Na categoria dos jogadores que tem pelo menos um membro superior comprometido (Quads), Ymanitu Silva (décimo) e Augusto Fernandes (300) nos representam no ranking internacional.

Meirycoll Duval

Fruto de um trabalho de base, as escolinhas de tênis, antes concentradas em poucas cidades, hoje estão em Goiânia, Niterói, Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Uberlândia, Bauru, São Caetano, Itajaí e Vitória e são responsáveis pela galerinha que há muito se destaca no cenário mundial. Se hoje entre os juniores, temos Jade Lanai como líder do ranking entre as meninas, entre os meninos João Lucas Takaki, Cesar Rosa e Lorenzo de Godoy ocupam a 50, 12 0 e a 130, respectivamente.

João Lucas Takaki, categoria júnior

Manter top-players em todas as categorias do tênis mundial, com certeza, é um fato para comemorar. Realizar oito torneios internacionais por ano no Circuito UNIQLO/ITF é uma oportunidade única para nossos jogadores manterem suas posições no ranking e ter projetos de iniciação em 11 cidades brasileiras é criar uma chance para começarem a jogar tênis. É esse o ponto que quero destacar como o fator mais positivo nesses 35 anos. Sublinhar as narrativas das vitórias individuais. A volta de um sorriso de uma criança, a mudança de comportamento, a emoção da mãe agradecida, os novos amigos agregados e o crescimento da autoestima são testemunhos que nos mobilizam.

Acreditar que o poder transformador do esporte é capaz de resgatar jovens abatidos por um acidente e entender ser possível um aposentado por invalidez ter o prazer de voltar a trabalhar. Estas referências ficam para sempre arquivadas na memória. A gratidão pelas dores que se foram ao fortalecer o corpo franzino e perceber quanta independência brotou no novo corpo atlético são experiências diárias. Enfim, são histórias de vida, pessoas empoderadas por terem começado a praticar o tênis em cadeira de rodas. Conquistaram as quadras e assim se prepararam para alçar voos maiores. É tudo uma questão de oportunidade, em um país de desiguais todos merecem essa chance. E esqueçam de vez essa história de super-heróis, são simplesmente pessoas em busca do prazer, do saque perfeito e do ponto impossível.

Nossa homenagem a todos que entraram em quadra para transformar suas vidas e a certeza de que tudo valeu muito à pena.

Ymanitu Silva, categoria quad

Jade Lanai, categoria júnior




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